6/03/2012

Major Feliciano

-Jogue sua arma e levante suas mão!

Era a segunda vez que Major Feliciano pedia. Odiava clichês, mas não resistia a esse. Mãos firmes, músculos tensos, olhar vidrado, sua equipe sabia que era o último aviso. Agachado atrás da nova baratinha, há dois minutos não piscava. Não notava seus companheiros, o desespero ao redor, a mãe que tropeçara com o filho no colo e o garoto arrebentara os dentes no meio-fio. Visualizava o cano de seu belo 38, seguia por todo o trajeto da bala até a mão que segurava a pistola do outro lado. Não conseguia prever mas imaginava quantos dedos seriam decepados. Antecipava o característico odor ferroso do sangue, os gritos apavorados de dor e incompreensão do mutilado. O estado de choque e a demora em saber que não perdera a mão, condenada a ostentar cotocos pelo resto da vida. Não tinha como saber que Major Feliciano fizera em intenção.

Não toma conhecimento do cheiro de pólvora, dos novos gritos, do estampido. Em inteligência autômata seu dedo puxou o gatilho, o cão acertou o cartucho, detona a explosão que arremeta o projétil a frente. Dançando o balé que compõe o quadro. Médio, anelar e mínimo, cortados pela metade, uma ponta de osso em cada um e nas mãos, gotículas de sangue foram salpicadas na arma, notava-se uma fina trilha na direção de cada pequeno membro, como que para ajudar a encontra-los. Uma torneira mal fechada, descia um fio vermelho radiante refletindo negro e escarlate as luzes da iluminação pública.

Novo estampido, desnecessário, ecoou. Um pedaço de miolo ficou pendurado pelo buraco. Nesse meio milésimo que o corpo se sustém sem vida no ar era possível ver através da testa do suspeito e enxergar a bala encravada na parede. Um vapor rubro se transformou em nuvem que choveu a vida pelo chão, impregnando todo o ambiente com esse odor que sentiu Major Feliciano antes dos disparos.

O corpo tombou, borbulhando sangue pelo boca. O excesso acumulado na garganta encontrava passagem pelo furo da cabeça. Sem dizer palavra, o policial levantou, demorou alguns momentos e se reconectou ao mundo.

Um comentário:

  1. Gosto dos textos que posta, alguns eu entendo..outros não. Mas mesmo assim, não deixam de ser interessantes.

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