10/20/2014

Eleições

Minha memória mais antiga de racionalização sobre política vem do início dos anos 1990, logo após o impeachment de Collor, eu estava com 12 anos e foi um ano marcante pra mim - meu pai morrera quatro meses antes do episódio e eu abandonara os estudos na mesma época. Lembro de estar sentado à mesa com um familiar mais velho e escutar o seguinte argumento, acompanhado de um balançar de cabeça melancólico: "votei no Collor por que era melhor do que votar no Lula". Não entendi muito bem a lógica, mas achei que era por que não tinha experiência com assunto.

Depois disso fui acompanhando e me parecia que urbanizar era bom, afinal era o que Maluf fazia, todo mundo afirmava que ele era do tipo "rouba mas faz" e seguia sendo eleito e construindo. Nutro uma admiração por sua retórica, mas para por aí. também reconheço que algumas de suas obras foram bem úteis. e é isto. Achei abominável ouvir ele dizer, em rede nacional, "quer estuprar, estupra, mas não mata". Parece que colhemos os frutos até hoje.

No governo do estado minha lembrança tem espaço para Quércia, mas só de ouvir dizer, sempre estudei em colégio público estadual e acabava ouvindo falar dele. Se me tirar por base, parece que foi uma boa gestão. Tempos depois, eu já fora da escola, foi instituída a progressão continuada. Um erro que não consigo nem avaliar. O único estímulo que tínhamos para estudar era justamente o medo de repetir de ano - eu em especial, já que minha mãe era muito brava, e isto foi tirado da gente. Uma argumentação construtivista justificaria, mas nenhuma preparação foi feita.

Minha experiência posterior como educador me mostrou a armadilha armada, e pude presenciar alunos competindo para ver quem passava com menor nota, ou quem conseguia fazer desavença maior com o professor. Este modelo foi implantado em São Paulo, mesmo estado que hoje brada ser o mais culto, que negros, nordestinos, pobres não sabem votar. Podemos presenciar uma púbere paulista bradar que não há liberdade de expressão e que ela é cerceada em seus direitos, isto em um veículo de alcance nacional. É no mínimo paradoxal, porém lamento que ela não conseguirá entender. Este mesmo grupo de intelectuais apela para fé quando culpa São Pedro pela falta d'água, mas está é outra história.

Não sou eleitor do PSDB, nunca fui, mas aprovei o primeiro mandato de FHC. Mantenho admiração por sua gestão, assim como pela de Itamar Franco, que teve peito para fazer a URV, mesmo diante da incredulidade geral (sim, o PT não foi o único a se mostrar contra). Meu primeiro voto para presidência foi no ano de 1998, quando FHC disputou reeleição e votei nele. Me arrependo sistematicamente deste voto, como nunca me arrependi de nenhum outro. A coisa que mais me marca neste período é a explosão de uma plataforma da Petrobrás, a P-36. Orçada em 350 milhões de dólares, me fez conceber a primeira teoria conspiratória: estão querendo desvalorizar a Petrobrás para vendê-la mais rápido e barato! Nunca comprovei, nem demovi, a teoria, mas sei que não sou o único a pensar nisto - à época e hoje. Relendo os arquivos da revista Veja, também noto um detalhe que me escapou: a bolsa despencava com a possibilidade de reeleição.

Em 1999 entrei com orgulho no melhor colégio público do Brasil, a ETESP. Eu era um dos mais de 5mil a disputarem 140 vagas na escola e fui aprovado. Junto com estes 140, e mais um monte de 140 de veteranos de outros anos, e de outras escolas técnicas, paramos a Avenida Paulista em pelo menos três ocasiões gritando "Educação, não se discute, privatize a D. Ruth". Eu já tinha quase vinte anos, meus veteranos mais velhos 18.

"Iniciei" minha carreira com as letras e com o jornalismo na mesma época, quando editei o Tramp Drops junto com meu amigo de pena e de bar André Gonçalves. Meu artigo mais contundente foi sobre a posse de Marta como prefeita. Mal assumira a cadeira e um apresentador de telejornal da tarde chamava ela de incompetente, já que as ruas estavam todas esburacadas. Era mês de março e eu desejava que ela estivesse ajeitando as contas do município, por isto não tapara ainda. Felizmente não me decepcionei: ela pagou títulos da União que estavam atrasados há muito tempo, colocando Sampa City em dia com o orçamento. Mesmo assim, as pessoas reclamavam.

Lula foi eleito, e com meu voto. Deu continuidade aos planos de FHC, instituiu o Fome Zero e pedia doações permanentes. Demorou a entrar na minha cabeça a razão do governo pedir doações, por que ele mesmo não se virava? Ainda não estava claro que qualquer um pode ajudar o próximo e de certa forma ele estava emulando isto. Depois veio outros programas: Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Pronatec, Prouni, Ciências sem Fronteiras, aumento do número de bolsas de pesquisa científica, PAC's etc... sim, há um nevoeiro sobre o que foi Dilma e o que foi Lula, que mal há nisto? Afinal, são doze anos de poder continuado, para que mudanças bruscas? Time que está ganhando não se mexe.

Neste nimbo eu saí de onde nasci para viver em outros lugares, conhecer novas pessoas, experimentar novos estilos. Minha ideia era uma viagem longa, mas não saí do sudeste. Mesmo assim, minha vivência foi muito rica, e conheci (não pessoalmente) César Maia, que encaixava na categoria de poder tão extenso quanto controverso, mesmo assim as pessoas votavam nele.

O tempo passou, voltei pra São Paulo, vim para Brasília, chegaram novas eleições, as redes sociais surgiram, invadiram as vidas das pessoas, dispositivos eletrônicos móveis ganharam mercado, conexão de internet, e gosto popular. Difícil é ver alguém que não tenha seu perfil online, que post, comente, compartilhe. Junto venho uma noção de tudo pode. E é exatamente onde estamos.

Simpatizantes de um partido não se furtam em achincalhar os do outro, regionalismos viram monstros encarnados em pessoas que pareciam pacíficas até então. O deboche, escárnio, agressividade, e demais comportamentos correlatos transbordam das ruas e ganham palanques, bancadas, debates. Um não se sente constrangido em maldizer a vida pregressa do outro, orientações pessoais são tranquilamente avacalhadas e condenadas ao inferno, quando menos, quando muito a pauladas e assassinatos.

Temo chegarmos a vias de fato após o termino da eleição, com um grupo vociferando contra a morte da democracia, a fraude nas urnas, e a necessidade de uma revolução armada, já que vários defendem como direito divino carregar uma arma para ser usada contra quem ameace. Temo que regionalistas cuspam todo ácido de sua língua contra aqueles que creiam com convicção sejam inferiores. Uso palavras até leves para o apocalipse que temo. Mas pode ser que tudo amanheça tranquilo, e seja festejada a democracia e a escolha da maioria. ponto final feliz.

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